imagem O QUE APRENDI COM AS HIPOGLICEMIAS

Por Daniel Ramalho

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Ainda lembro de minha primeira hipoglicemia. Ela aconteceu menos de 15h depois do início do meu tratamento do diabetes tipo 1. Curiosamente, soube reconhecê-la imediatamente, ainda que fosse a minha primeira vez. Curioso, mas não por acaso: entre o recebimento do exame e a consulta médica que me deu o diagnóstico oficial, passaram 3 semanas. Aproveitei-as para me familiarizar com o tema diabetes, já que era inegável que a enfermidade havia chegado.

O Papel da Informação

Na época não havia muita informação confiável na internet, muito menos o hábito de buscar tanta sabedoria nas redes. Enfim, revistas e livros de papel ainda eram as principais fontes de dados seguros. Posso dizer que devorei algumas dessas publicações nesse meio tempo e aprendi coisas que levo para meu tratamento até hoje, 10 anos depois.

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Porém, embora tenha aprendido tanto e em tão pouco tempo, ainda me faltava vivê-la. Confesso que esperava que demoraria bem mais para conhecê-la. Mas já no primeiro dia de tratamento, a hipo, como passaria a carinhosamente chamá-la, já se apresentou.

Chegou causando, colocando tudo para tremer e a cabeça pra girar. Aqueles 20 minutos entre a aplicação das insulinas e o café da manhã foram suficientes para conhecê-la. Essa questão bastante íntima de quem lida com o diabetes, principalmente para quem aplica insulina, deixava de ser um mistério.

Apesar da semelhança com o que havia lido, houve algo bastante inesperado: o efeito daquele quadro em minha mente, ânimo e na própria forma de lidar com o diabetes. As sensações descritas nas publicações eram de tremores, transpiração excessiva, confusão mental, enfim, os sintomas clássicos. Naquele dia, o que me chamou a atenção foi a mão trêmula, o coração disparado e uma tonteira leve. Confesso que naquele primeiro momento achei até graça, mas logo isso mudaria.

Hipoglicemia: Medos e Desafios

Passada a surpresa e a curiosidade sobre aquela “novidade”, chegaram os pensamentos e críticas sobre o risco que uma simples hipoglicemia representava. Meu maior medo foi o de que isso me acontecesse dentro do mar, surfando ou esperando alguma onda… Num rompante de pessimismo diante daquela situação nova e apavorante, pensei que nunca mais poderia praticar meus esportes favoritos. O surf e o bodyboard ficariam no passado… Me desesperei.

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Levo o círculo azul do diabetes para o mar comigo. Isso me lembra dos primeiros dias de diagnóstico e o que superei para estar lá dentro surfando.

Para minha tranquilidade, logo vi que estava errado. Havia outros surfistas com diabetes, mas vi que precisava aprender a lidar com aquilo. Não teria que evitar apenas que a glicemia subisse muito, mas que caísse demais também… “Bem complicado”, pensei.

Ao mesmo tempo que aprendia a lidar com o diabetes, vivia dramas familiares muito intensos e desgastantes. Sozinho na maior parte do tempo, aprendi a cozinhar algumas coisas que gostava, mas temia as hipos noturnas… Me lembro que procurava não variar muito o cardápio, no estilo “em time que está ganhando não se mexe”.

O Pior Sintoma

Certa vez, em uma dessas noites em que cheguei cansado do trabalho e não queria cozinhar, me dirigi a um restaurante perto de casa. Assim que coloquei o pé na rua, comecei a sentir sintomas de hipoglicemia. Medi e ainda não estava em hipo, mas me aproximava dela. Caminhei uns 7 minutos para chegar ao local e foi só eu me sentar na cadeira, medir novamente e ver que já estava por volta dos 65 mg/dl. Apanhei um sachê de açúcar e coloquei tudo pra dentro. Sabia que aquilo não era o suficiente para melhorar por completo, mas logo pediria ao garçom o Caldo Verde de sempre e as coisas melhorariam.

Pedi, mas só então me dei conta que estava conhecendo o pior sintoma da hipoglicemia. Um que nunca havia lido nas descrições frias dos livros e revistas: uma tristeza enorme que me invadiu o peito. Toda a ansiedade causada pela hipo e por não ter um carboidrato à mão (fruto a inexperiência, pois hoje sempre os tenho comigo), me fizeram sentir impotente diante da situação. Foi como se a vida escancarasse toda a minha fragilidade e a colocasse bem diante de meus olhos. Como se o super-herói que todos cremos que somos, aquele que sempre acha que nunca acontecerá nada com ele próprio, só com os outros, morresse repentinamente. Naquele momento, me senti a pessoa mais fraca do mundo. Chorei.

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Nossa, como chorei. Ali mesmo, no meio de um restaurante. Não me importava se o garçom chegaria com a comida ou se algum cliente veria minhas lágrimas. Era inevitável, pois aquela tristeza me apertava o peito e, certamente, aumentava quando somada a todos os outros problemas pelos quais estava passando. Estava aprendendo a lidar com a faceta do diabetes que, para mim, foi a mais difícil: aceitar que não era mais o super-homem que acreditava ser.

A Hora da Virada

A partir dali, percebi que o carinha que surfava, pedalava, adorava esportes radicais, festas e muita bagunça, precisaria reaprender a viver. E foi o que fiz. Enxuguei minhas lágrimas e aprendi a lidar com as hipos e as hiperglicemias. Me aceitei como uma pessoa normal, com meus altos e baixos e fui à luta para poder lidar com o diabetes como lido hoje.

Devo ao medo que tive das hipoglicemias, toda uma transformação pessoal e a superação de questões que extrapolam os limites do diabetes, pois o que aprendi, não aplico apenas no meu controle glicêmico, mas em toda a minha vida.

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Diariamente temos a opção de nos mantermos acomodados e chorosos, mas, por outro lado, também recebemos a oportunidade de enxugar nossas lágrimas e lutarmos pela vida que nos cremos dignos de viver. O que vai determinar a escolha por uma ou outra opção é a nossa vontade de viver, de aceitar os desafios propostos pela vida e o quanto estamos dispostos a mudar nossos hábitos em prol de nossa saúde e qualidade de vida.

Sim, se eu pudesse, não teria diabetes. Mas não posso negar que o diagnóstico foi o gatilho para que eu me transformasse em uma pessoa melhor. Da mesma forma como não pude fingir para mim mesmo que não teria que lidar com o lado negativo da doença. Viver de forma positiva não é negar a existência daquilo que não nos agrada, mas estar constantemente disposto a transformar cada obstáculo em uma ferramenta útil na construção de uma vida plena e feliz.

Daniel Ramalho – Diabeticoach

Blog Diabetes Esporte & Natureza


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4 comentários

  1. Estou iniciando um tratamento mais intenso contra a diabetes. Já tinha experiências de uma aluna com diabetes tipo 1, ela aplicava insulina, minha sogra e uma prima. Como presenciei várias crises de hipo, soube reconhecer imediatamente. Porém, você socorrer outra pessoa é bem mais fácil do que explicar aos seus familiares o que está acontecendo e procurar um alimento adequado. São muitas observações e retaliações que recebemos. Ainda estou em fase de adequação dos medicamentos. Me identifiquei muito com suas declarações. Obrigada e um bom dia.

    • Obrigado, Mirian. Com o tempo vamos pegando o jeito, mas a parte de explicar aos familiares e amigos realmente leva um pouco mais de tempo, paciência e dedicação. A vida toda, a maioria das pessoas é bombardeada por mitos e informações equivocadas a respeito do diabetes e para desconstruir isso nas cabeças delas exige bastante. Grande abraço,
      Daniel Ramalho

  2. Bom dia a minha filha tem 9 anos e tem diabetes tipo 1 há 2 anos,e me preocupa muito o comportamento dela,as vezes é muito revoltada,diz que prefere morrer do que viver,estou levando ela no psicólogo,espero em Deus que ela melhore,porque é muito difícil,vou mostrar o seu testemunho de superação para ela,obrigada!

    • Olá, Zilda. Se para nós, adultos, já é tão difícil aceitar e conviver com o diabetes, para as crianças e adolescentes também é complicado, pelo pouco entendimento que têm da vida. Estude bastante para dar-lhe sempre a melhor orientação e buscar o melhor tratamento dentro de suas possibilidades. Um dia ela agradecerá. qualquer coisa, procure-nos também no Facebook e Instagram.
      Grande abraço,
      Daniel Ramalho

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