Ainda me lembro do dia em que tirei essa foto. Era um feriado nublado, ondas pequenas e eu e mais 3 amigos decidimos ir surfar assim mesmo. Deslizar sobre as ondas era o nosso maior prazer e aqueles 4 caras, no sol ou na chuva, calor ou frio, não se intimidavam. Toalhas e casacos de moletom estavam sempre a postos no bagageiro daquele Voyage azul escuro, fechadão, quase preto. O clima não era problema.
Naquela manhã, dizia-se que entre nós havia um “traidor”, pois aquele cara que sempre animava e guiava os bodyboarders rumo à praia, dessa vez não trazia a BZ Diamond branca ou a Fidji Marcelo Pedro na mala. Em lugar de trazê-las, havia amarrado umas fitas no teto e na calha do velho voyajão 89 modelo 90, com uma capa preta que levava em seu interior uma prancha diferente. Bem maior do que a de costume: uma 6’5 Spirit shapeada pelo Mudinho, recém comprada de um amigo que a deixou cair do rack de outro carro.
O “traidor” era eu. E pra falar a verdade, estava achando o máximo aquela suposta traição. Minha prancha não era novinha, mas acabava de voltar do conserto e pra mim estava “zero bala”!
Foi o primeiro dia e já fiquei em pé! Bom… Alguns segundos… Mas o que importava era que estava iniciando algo que jamais pensei que fosse realizar: depois de 10 anos de Bodyboard, começar a surfar em pé. Quem diria…
Lá se vão 20 anos desta imagem e ainda me lembro daquele dia, do frio que passamos ao sair da água, mas todos com sorrisos de orelha a orelha e comentando suas “proezas” no mar – pra quem não conhece, as histórias de surfistas e bodyboarders contadas entre amigos, geralmente se assemelham às histórias de pescadores: incríveis, fantásticas, quase impossíveis, mas que todos juram ter acontecido, mesmo que ninguém tenha visto… E geralmente não se via. Ha, ha, ha! Bons tempos!
E por que conto essa história numa página dedicada à motivação de quem tem diabetes? Não! Nessa época eu ainda nem era diabético, mas posso dizer que foi um momento que tive que “driblar” ou me adaptar aos primeiros problemas de saúde.
Alguns meses antes, fui surpreendido por uma dor muito forte na coluna e na perna em virtude de um “mal jeito” e um pouco de sedentarismo por ter que estudar em época de provas (nunca pude ficar parado muito tempo que meu corpo sempre reclama). Até hoje foi a pior dor que senti e nunca esqueci aquele sofrimento. Cheguei a temer não voltar a andar normalmente, mas a juventude é uma maravilha para curar essas dores e hoje raramente sinto problemas na região lombar.
Como na prática do Bodyboard o esportista surfa deitado, com a coluna curvada e fazendo muita força com braços, pernas e músculos e articulações das costas, notei que ficaria um bom tempo sem poder praticar aquele esporte. Mas nunca fui de aceitar limitações. Sempre preferi me adaptar a novas realidades, ainda que me custassem muito esforço.
Dito e feito: se não podia um esporte, aprenderia outro e foi o que fiz. Na verdade, aquele problema de saúde só apareceu para me tirar de uma zona de conforto na qual havia me acomodado: foram 10 anos praticando bodyboard e aquilo já estava sendo feito automaticamente, sem muita emoção ou evolução. Amava o que praticava, mas já não era a mesma coisa do início. Aprender um novo esporte, era o desafio que precisava para dar uma levantada no astral e me preparar, de forma ativa, para que meu corpo não aceitasse uma possível “baixada de bola”, afinal tinha apenas 21 anos.
Aquilo para mim foi uma lição, não pelo grande aprendizado de outro esporte, pois fiquei pouco na pranchinha e parti para uma Fun 7’4 (tudo por mais estabilidade, ha, ha, ha!), mas por notar que é sempre melhor nos adaptarmos às novas realidades e aceitar novos desafios a manter-e na zona de conforto ou entregar-se às dificuldades. E esse aprendizado foi muito importante quando recebi o diagnóstico de diabetes tipo 1, 13 anos depois dessa foto.
Minha primeira reação à notícia foi pensar que jamais voltaria a surfar, fosse em pé ou de bodyboard, por temer as hipoglicemias. Logo me lembrei desses dias, de como havia me superado e de pessoas que lutavam contra questões ainda piores e que mantinham as forças. Meu sobrinho Rafael não sabe, mas ele foi um grande exemplo nessa hora, pois havia percorrido o mesmo trajeto que eu no esporte: do bodyboard ao surf. Logo pensei, “Esse é um bom exemplo a ser seguido, pois ele tem diabetes desde a infância, é um cara forte, brincalhão, que sempre aproveitou a vida, surfa e… Por que eu deixaria de fazer tudo isso se ele o faz com tanta naturalidade?” Esse foi o click, o momento chave, a hora da virada: naquela hora entendi que a vida estava me dando mais uma oportunidade para me adaptar e, nesse caso, teria que me reinventar (como disse num post há alguns dias).
Pois eu me reinventei. O tio aprendeu com o sobrinho (esclareço que ele é mais velho que eu uns 8 meses. Rsrsrs) e estou certo que ele se surpreenderá ao ler esse texto. Já fico imaginando sua cara! Ha, ha, ha!!!
Hoje surfo com minha Fun 7’4, voltei a praticar o bodyboard e voltarei à pranchinha com uma menor ainda: estou esperando o shaper Udo Bastos terminar minha 6’0 novinha em folha!
O que acabo de relatar, numa leitura superficial pode parecer uma grande besteira, mas são em pequenos e singelos momentos como estes que temos a oportunidade de crescermos. No caso, comentei sobre o que aconteceu comigo no esporte, mas poderia ter sido no campo dos estudos, da vida profissional, amorosa, familiar… Nossas vidas são repletas de oportunidades como estas, pois quem nunca sofreu uma queda ou passou um momento difícil em que foi obrigado a se superar? Quem nunca se acomodou em alguma situação? Somos assim! Tanto a superação quando o comodismo estão dentro de nós, mas há algo muito importante em nossas vidas que às vezes nem nos damos conta: nossa capacidade de decisão, de escolha.
Cada um pode saber o que será de sua vida a partir de suas escolhas. Se você escolhe o mal, receberá o mal. Se planta o bem, colherá o bem. Se decidir que se acomodará, não pode esperar que a vida lhe dê de presente uma enorme vitória. O que a faz grande é justamente a luta, a batalha que você decidiu travar para conquistar o que almejava.
Não adianta amaldiçoar a Deus, ao diabetes ou à sua falta de sorte e continuar se achando uma vítima da vida. Se você não escolher se levantar e agir, a vida irá lhe entregar o pacote que você encomendou: um cavalo de Tróia, com uma surpresa extremamente desagradável em seu interior.
Readaptar-se, reinventar-se, crescer, enfrentar desafios, são palavras e expressões que não podem faltar no vocabulário de quem VIVE com diabetes. Todos tem o direito de pensar em se entregar quando as coisas ficam mais difíceis, mas a vontade de viver, se superar e de vencer devem ser sempre mais fortes para quem batalha por melhores glicemias todos os dias.
Vamos aprender e riscar de uma vez por todas as incessantes queixas de nossas vidas? Vamos nos adaptar às nossas condições e fazermos o que pudermos para crescermos com cada luta? Quem quer uma vida positiva, repleta de alegrias não pode conquistá-la com reclamações constantes e visões pessimistas de mundo. Encham seus corações de coragem, força, sorrisos e conquistem uma vida mais positiva e um ótimo controle do diabetes!
Vamos que vamos, sem medo de sermos felizes e mostramos ao mundo que podemos ter diabetes, mas que o diabetes não nos tem!!!!
Boraaaaaa!!!! Mudando de atitude hoje, malhando amanhã e sorrindo sempre!!!!!
VAMOS VIVER!
Forte abraço,
DANIEL RAMALHO
DIABETES, ESPORTE & NATUREZA